Não é necessário um grande detective ou um pequeno crítico para descobrir os padrões que se repetem nos documentários feitos por portugueses. As constatações que se seguem são apressadas por 3 razões, primeiro porque surgiram logo após 2 sessões de Curtas e Médias no Doc Lisboa 2010; segundo, porque depois dessas sessões a necessidade de velocidade se tornou imperiosa; e terceiro, porque a carapuça não encaixa da mesma forma a todos os filmes:
Como as Serras Crescem (28’) de Maria João Soares
Memórias de Fogo (25’) de Frederico Miranda
Mais Um Dia à Procura (19’) de Maria Simões
Gateiras (38’) de Tiago Matos e Ana Salvado
A Outra Guerra (45’) de Elsa Sertório e Ansgar Schäfer
1# É bom filmar profissões duras e em risco de desaparecer.Temos salineiros queimados pelo sol; os mestres de floresta, profissão queimada pelo Governo; os pescadores do último atuneiro de S. Miguel; os mestres carvoeiros que têm vindo a esfumar-se em lume brando e os antigos pescadores do bacalhau numa viagem às memórias de uma faina tão em extinção como o “fiel amigo”. É natural que assim seja, uma das funções do documentário é a de preservar a memória, mas porque não fazer um documentário sobre uma nova profissão? Os bufos verdes da Emel, por exemplo.
2# É boa ideia filmar durante longos minutos a dura labuta, por mais maquinal e desinteressante que seja, para que o espectador sinta na pele essa mesma dureza.Dica “aparentemente” óbvia: há formas de demonstrar a passagem do tempo, sem realmente passar todo esse tempo.
3# Documentário que é documentário tem princípio, meio e fim, sempre por esta ordem, e poupa na edição.Caros realizadores, vejam Haiti Untitled na retrospectiva deste ano de Jørgen Leth, filme que alterna entre vídeo, 16mm e 35mm e, segundo o Doc é um documentário caleidoscópico filmado ao longo de 10 anos. (Surpresa! o tempo de visionamento não são 10 anos).
4# É bom ter uma direcção de fotografia sofrível, com falta de contraste e, 9 em cada 10 vezes, um céu branco.Caros realizadores, existem programas para equalizar as cores ou para as rebentar, experimentem. E, por muita verdade que queiram captar, podem sempre filmar duas vezes.
5# Title design é aquela arte que consiste em escolher uma tipografia qualquer para os títulos desde que seja parecida com Helvética ou Impact.Dois nomes: Saul Bass e Kyle Cooper.
Dos padrões às tipologias, os filmes que se levam demasiado a sério acabam por ser os mais soporíferos. São aqueles filmes cheios de si mesmos, que dispensam narração e discurso directo para parecerem sóbrios e crus, como se acrescentar algo fosse um artifício que destruísse a essência documental. Filmes assim, tipo “quadros filmados” podem funcionar, mas têm de seduzir o espectador com emoções ou imagens fenomenais. Num outro nível estão os filmes que acrescentam algum tipo de discurso, ganhando a história e perdendo a pompa. Depois há os documentários que recorrem a imagens de arquivo, prolepses, analepses, entrevistas... e que não têm receio de terem um ponto de vista. Entre o filme “liga a câmara e já está” e o industrialmente produzido documentário televisivo acredito que devam existir muitas possibilidades.
Segundo a direcção do DocLisboa talvez interesse cumprir uma cota pré-estabelecida de filmes portugueses no festival, mas, alguns deles, interessam apenas a um circuito muito pequeno: o circuito da família dos envolvidos. Caro Doc, o vosso festival deveria ser uma mostra do melhor cinema documental, português ou não português. Peço-vos um favor, atentem na palavra “cinema”, não sejam condescendentes e quase de certeza que os vossos espectadores vão agradecer. Eu vou.
Ricardo Henriques / Outubro de 2010