sexta-feira, outubro 22, 2010

5 Constatações apressadas sobre o Documentário Português

Não é necessário um grande detective ou um pequeno crítico para descobrir os padrões que se repetem nos documentários feitos por portugueses. As constatações que se seguem são apressadas por 3 razões, primeiro porque surgiram logo após 2 sessões de Curtas e Médias no Doc Lisboa 2010; segundo, porque depois dessas sessões a necessidade de velocidade se tornou imperiosa; e terceiro, porque a carapuça não encaixa da mesma forma a todos os filmes:

Como as Serras Crescem (28’) de Maria João Soares
Memórias de Fogo (25’) de Frederico Miranda
Mais Um Dia à Procura (19’) de Maria Simões

Gateiras (38’) de Tiago Matos e Ana Salvado
A Outra Guerra (45’) de Elsa Sertório e Ansgar Schäfer

1# É bom filmar profissões duras e em risco de desaparecer.
Temos salineiros queimados pelo sol; os mestres de floresta, profissão queimada pelo Governo; os pescadores do último atuneiro de S. Miguel; os mestres carvoeiros que têm vindo a esfumar-se em lume brando e os antigos pescadores do bacalhau numa viagem às memórias de uma faina tão em extinção como o “fiel amigo”. É natural que assim seja, uma das funções do documentário é a de preservar a memória, mas porque não fazer um documentário sobre uma nova profissão? Os bufos verdes da Emel, por exemplo.

2# É boa ideia filmar durante longos minutos a dura labuta, por mais maquinal e desinteressante que seja, para que o espectador sinta na pele essa mesma dureza.
Dica “aparentemente” óbvia: há formas de demonstrar a passagem do tempo, sem realmente passar todo esse tempo.

3# Documentário que é documentário tem princípio, meio e fim, sempre por esta ordem, e poupa na edição.
Caros realizadores, vejam Haiti Untitled na retrospectiva deste ano de Jørgen Leth, filme que alterna entre vídeo, 16mm e 35mm e, segundo o Doc é um documentário caleidoscópico filmado ao longo de 10 anos. (Surpresa! o tempo de visionamento não são 10 anos).

4# É bom ter uma direcção de fotografia sofrível, com falta de contraste e, 9 em cada 10 vezes, um céu branco.
Caros realizadores, existem programas para equalizar as cores ou para as rebentar, experimentem. E, por muita verdade que queiram captar, podem sempre filmar duas vezes.

5# Title design é aquela arte que consiste em escolher uma tipografia qualquer para os títulos desde que seja parecida com Helvética ou Impact.
Dois nomes: Saul Bass e Kyle Cooper.

Dos padrões às tipologias, os filmes que se levam demasiado a sério acabam por ser os mais soporíferos. São aqueles filmes cheios de si mesmos, que dispensam narração e discurso directo para parecerem sóbrios e crus, como se acrescentar algo fosse um artifício que destruísse a essência documental. Filmes assim, tipo “quadros filmados” podem funcionar, mas têm de seduzir o espectador com emoções ou imagens fenomenais. Num outro nível estão os filmes que acrescentam algum tipo de discurso, ganhando a história e perdendo a pompa. Depois há os documentários que recorrem a imagens de arquivo, prolepses, analepses, entrevistas... e que não têm receio de terem um ponto de vista. Entre o filme “liga a câmara e já está” e o industrialmente produzido documentário televisivo acredito que devam existir muitas possibilidades.

Segundo a direcção do DocLisboa talvez interesse cumprir uma cota pré-estabelecida de filmes portugueses no festival, mas, alguns deles, interessam apenas a um circuito muito pequeno: o circuito da família dos envolvidos. Caro Doc, o vosso festival deveria ser uma mostra do melhor cinema documental, português ou não português. Peço-vos um favor, atentem na palavra “cinema”, não sejam condescendentes e quase de certeza que os vossos espectadores vão agradecer. Eu vou.

Ricardo Henriques / Outubro de 2010