segunda-feira, dezembro 24, 2007

Toda a gente faz listas

sobre isto e aquilo, o melhor e o pior, pois bem, estas são as minhas.

O pior de 2007

- Os locutores de rádio a dizerem “Deixe-se ficar desse lado”. O que é que eu poderia fazer? Invadir o vosso estúdio e obrigar-vos a tocar a Grândola Vila Morena? Por favor, actualizem os vossos slogans.

- O Cirque du Soleil.

- As pessoas.

- Os intervalos publicitários de 20 minutos.

- A minha memória.

O melhor de 2007

- O Santana Lopes a levantar-se indignado com as interrupções próprias do jornalismo de entretenimento, paradoxalmente uma das suas especialidades.

- The Pillow Man, de Martin McDonagh encenado por Tiago Guedes e interpretado por Gonçalo Waddington, Marco D´Almeida, João Pedro Vaz e Albano Jerónimo.

- Algumas pessoas.

- Viggo Mortensen a vestir (despir?) a pele de um mafioso russo em Eastern Promises de Cronemberg.

- Outras cenas.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Delirium em Las Vegas

Há vários meses esgotado e com uma crítica (excessivamente?) entusiástica em todos os quadrantes da imprensa, da TimeOut à Laurinda Alves, o primeiro espectáculo do Cirque du Soleil em Portugal aparentava ser o mais alto representante do chamado “novo circo”.

Eu, que não tinha sequer pensado em aderir ao entusiasmo colectivo, tive à última hora a oportunidade de, por trinta e cinco euros, partilhar desse sentimento de comunhão, assistindo ao espectáculo Delirium no segundo balcão do pavilhão atlântico.

Nunca vi nada assim! À medida que as minhas pupilas consumiam aquele festim visual o meu cérebro era alimentado por um recorde pessoal de referências. Vejamos ponto por ponto.

1) Céline Dion e amigos

Praticamente todos os diferentes momentos de Delirium tinham uma senhora que alternava com um senhor em cantorias que ficarão para a história da música como “aquelas-canções-patetas-que-glosavam-os-temas-de-sempre-mas-de-uma-forma-
ainda-mais-banal”. Refrões tipo “the world keeps spinning” e outras tiradas do género deram trabalho à sósia de Céline, a um Sr. tipo Michael Bolton mas com pior voz e a um outro mais esporádico cantor com vestes tradicionais do Senegal, responsável por manter a cota de exotismo do espectáculo. Neste caso as letras eram imperceptíveis.

2) Tocarrufar

Quando o quadro era preenchido por exotismo, ambiente de selva tribais e kumbalawés matás, apareciam uns percussionistas de djambés e bem intencionados que me fizeram recordar, entre suspiros, um magnífico concerto GRÁTIS dos Tocarrufar há uns anos no CCB.

3) Acrobatas chineses

Em 5 minutos de um espectáculo daqueles acrobatas chineses que começam a saltar para os ombros uns dos outros ainda nas incubadoras das maternidades, existe mais virtuosismo do que em duas horas de Delirium. O melhor momento, do ponto de vista do circo propriamente dito, foi proporcionado pela responsável dos arcos de hula hoop, mas mesmo assim nada que fique nos anais da história circense.

4) Fellini

Escolha-se uma cena à sorte de praticamente qualquer filme de Fellini, de Amarcord a O Navio e encontra-se mais loucura, mais arrojo e mais criatividade do que em duas horas de Delirium.

Fellini amava o circo, tanto o lado triste e poético como o lado alegre e bufão. Eu só posso julgar o Cirque du Soleil a partir deste espectáculo, mas as soluções apresentadas eram poucas, pobres e repetidas. O amor aqui nutrido dirige-se à velha técnica de encher muito o olho para que não se veja o que está mesmo à frente do nariz: um monarca em pelota.

O ponto de partida e espinha dorsal de Delirium é o sonho de um personagem que é elevado pelo ar com um balão gigante a encimar a sua cabeça, passeando-se pelo espectáculo e pouco mais fazendo do que o pino. Este elemento visual alterna com outros que se elevam do chão imitando saias rodadas que ocupam ora o palco inteiro servindo de tecto falso ora num cantinho servindo como elemento de percussão para os senhores exóticos. O terceiro elemento era uma espécie de casco de drakkar viking partido em dois para onde os personagens saltavam e se punham a olhar para o horizonte. Quando a cantante “Céline” subiu para este elemento aí tive a certeza que a referência à Céline original era na realidade uma assumida homenagem.
Estes três elementos foram misturados e remisturados durante duas horas e nada de novo do ponto de vista cénico se viu no pavilhão atlântico.

5) Circo do Coliseu

Quem já foi ao Circo do Coliseu por altura do Natal, sabe que aquele discorrer de velhas glórias só se mantém porque é um espectáculo comprado pelas grandes empresas para oferecer aos seus colaboradores com filhos pequenos. É um circo deprimente, com animais e acrobatas premiados em 1968, mas mesmo assim, a luta da terceira idade circense pela vida consegue ser mais surpreendente e inspiradora que o badalado Cirque du Soleil.

6) VJ Set dos Chemical Brothers

Ao longo do espectáculo foram as projecções vídeo que mais se destacaram. Dois ecrãs enormes de cada lado do palco que interagiam com as projecções no interior e na cortina que cobria a boca de cena. A integração entre músicas e vídeo, vídeo e elementos cénicos, foi sem dúvida a mais bem conseguida. Mas dêem-me 3 minutos de um concerto dos Chemical Brothers com o seu hipnótico VJ set a acompanhar e depois falamos do que é delírio. (Exemplo recente no concerto na Estação de Comboios do Rossio).

7) David Lynch

A um certo momento o personagem principal diz quase atarantado algo do género: “Everything is so weird here… I’m glad this is just a dream…”

Um dedo mindinho do Sr. Lynch tem mais “weirdness” do que uma vida inteira a ver este Delirium (só mesmo como substituto da pena capital).

8) Cirque Plume

Em 1998, durante a Expo de Lisboa, tive a minha primeira experiência de novo circo, um espectáculo mágico e memorável dum colectivo francês chamado Cirque Plume.
Tinha humor, poesia e virtuosismo num patamar ao qual eu, ingénuo, julgava que o Cirque do Soleil iria chegar ou suplantar. Cirque Plume: peço desculpa pela heresia.

Por falar de humor, o único momento em que ouvi alguém rir-se na sala, aconteceu quando o personagem principal faz o gesto de atirar uma bola para longe, quando afinal a mantém na mão, enganando o personagem nº 2. Ou seja, o momento alto de humor é a piadinha que já todos fizemos com um cão. Abaixo de cão, portanto?

9) Las Vegas

Depois do espectáculo descobri uma sinopse que define Delirium assim: “is a live music concert that pushes the limit of arena performance. Feel the passion of the musicians, singers and dancers driven by the beat of remixed music for Cirque du Soleil.”

Mea culpa portanto, nada de circo, nem de novo. Apenas um concerto bem organizado com passos de dança bem coreografados, piruetas e canções pirosas onde os limites da arena são transpostos para atirar uns balões gigantes para cima da plateia. Paradoxalmente só aqui, quando o Cirque do Soleil interagiu com o público tratando-o como focas, é que se sentiu uma verdadeira emoção na sala.

Se eu fosse um norte-americano obeso e embriagado no descanso das manivelas de uma máquina de jogos de Las Vegas, teria com certeza adorado. O que não percebo é este Delirium Colectivus que entusiasma toda a crítica e hipnotiza o público português ao ponto deste aplaudir de pé o pior espectáculo de circo de que tenho memória. Ou não tenho? Cirque du Soleil? Nunca ouvi falar.