A indiferença aos números disparados pelos telejornais faz parte do modus vivendi de quem vive em sociedade, especialmente nesta sociedade de informação. A fraca memória é condição essencial para não andar constantemente a tomar Prozac e Xanax. “19 mil pessoas perderam a vida no recente terramoto que assolou o Paquistão.” O que é que esta informação vai provocar na minha vida? Vou andar cabisbaixo o ano inteiro? Vou comentar com um ou dois colegas e depois morre o assunto? A minha preocupação é maior ou menor se o número fosse 50 mil mortos? 200 mil?
Desenvolvemos uma carapaça contra aquilo que não nos é próximo e por vezes até contra o que nos é próximo. Nos Estados Unidos a policia aconselha as mulheres a gritarem “FOGO!” caso sejam violadas, para garantir que alguém realmente aparece. Tal como os médicos, não podemos ficar agarrados aos pacientes que nos morreram nas mãos ou às desgraças que nos invadiram o televisor e páginas de jornais.
Fui ver a exposição World Press Photo e o sentimento generalizada que nos é despertado é a sensação de desumanização, da desgraça humana. A expressão da dor e da injustiça continua a ser o tema ideal para as fotografias ganharem prémios. Até nas fotos de desporto o que ressalta são os inválidos.
O Homem é notícia quase sempre pela negativa. Uma das mais belas fotos da exposição é a de um elefante preso com correntes. O Homem está presente nas correntes e a legenda ainda nos informa da sentença: preso por ter morto vários homens.
Mas a fotografia que mais me indignou é a de um grupo de trabalhadores estropiados. A legenda aumenta a crueza da imagem: Numa fábrica de reparação de aparelhos de ar condicionado na China, uma média de 27 trabalhadores perde um membro por dia. A fábrica onde trabalham não fechou, não instaurou um inquérito, não reviu as normas de segurança, não quis saber. Para o Estado e para os donos da fábrica aquelas pessoas não têm expressão. Outra foto, outro número: a cada 26 segundos uma mulher é violada na África do Sul.
segunda-feira, outubro 10, 2005
Imagens para os números: ter ou não ter expressão?
Postado por O Despachante às 12:09 da tarde
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
“A ONU calcula que dentro de cinco anos 50 milhões de pessoas vão ser consideradas refugiadas devido a problemas ambientais nas regiões onde vivem.” Noticia de hoje. BBC Brasil
São mais números…que começam a tocar nos na pele. Todos os números nos dizem respeito porque são a prova viva da reacção do planeta à nossa acção, ou falta dela … mas acho que tens razão é mais fácil olhar para números, como abstracções distantes, do que pensar neles como o produto das subtracções do que não andamos a fazer…
PIB, Deficit, Inflação, Desvalorização, FMI, Banco Central Europeo, Cotação, Barril de Brent, Imigração.
Sondagens, Amostras, Desvio Padrão, Universo da amostra.
As empresas de sondagens e companhia debitam números, números que poêm politicos e empresas aflitos. Porque a produtividade caiu, porque o consumo aumentou, porque o endividamento médio por individuo entre os 0 e os 80 anos aumentou 0.6% nos últimos 5.3 meses alterando as taxas de indexação em vigor.
Que importa? Tudo continua como era quando se trocava farinha por arroz.
Os fortes e espertos mandam e vivem à conta dos fracos.
Nunca nada alterará isso, nem uma nova glaciação.
Enviar um comentário