O Objecto
Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.
Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo foram janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato sape gato
vai-te vate foge cão
Assim se chamam as coisas
pelos nomes que elas são.
Ary dos Santos
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Parece que se tornou comum reconhecer-se publicamente que não se gosta de poesia, facto ao qual não me oponho, até porque anteriormente muitas pessoas reconheciam publicamente que adoravam poesia sem nunca terem lido mais do que dois sonetos do Camões e três estrofes do Vinicius de Moraes. Não tenho lições a dar aos descrentes na poesia, apenas este poema que adoro e quero partilhar.
quarta-feira, setembro 27, 2006
Objecto de descrença
Postado por O Despachante às 2:36 da tarde
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5 comentários:
:)
um dos meus textos preferidos de sempre é uma prosa arrumada num conto absolutamente genial do Gunther Grass - aquele senhor de quem também é moda dizer-se que não se gosta - que fala de um homem tão, mas tão cinzento, que para dar mais cor à sua vida monótona, se dedica a re-inventar os nomes das coisas. à cadeira, chama cão. ao cão, chama estola. à pela, chama garrafa. e, neste mundo de nomes atribuídos com cor, percebe que os outros não o percebem e que nem ele já é tão cinzento assim, o que acaba em crise existencial.
é tudo o que citaste, mas ao contrário.
Tens esse conto? Gostava de ler.
Fizeste-me lembrar A Trilogia de Nova York onde um personagem cria novos nomes para as coisas que deixaram de ser. Um guarda-chuva partido já não guarda a chuva, portanto precisa de ter um novo nome. Claro que o personagem também acaba meio-louco.
funesto, anita, ponham o dito conto on-line por favor!(que eu tenho curiosidade de gato_que_se_ladrar_é_cão_e_não_guarda_a_chuva_concerteza)
dentre tantas lembranças, lembrei tambem do Garcia MArques. No 100 anos de solidão a galera pega a doença do sono, ou melhor dizendo, da insonia, porque ninguem dorme mais. pega-se da picada da mosca tsé-tsé. MAs o nosso cérebro nao aguenta isso: não dormir. Então começa-se a apagar alguns registos básicos. PAra remediar, os personagens começam a colar nos objetos os seus nomes. Na Cadeira põem "cadeira", na mesa põem "Mesa", no chão, advinha, põem "chão". MAs o melhor dessa historia é quase no final da vida do Escritor, pois puseram o Nome de Macondo na vila onde ele nasceu. MAcondo é a cidadezinha imaginaria do romance.
:)
Vou mandar hoje uma poesia do O'Neill que também tem gatos dentro.
A senhora Anonima recomenda-se
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