sexta-feira, janeiro 21, 2005

A Arte do Cutelo

No oriente o tiro com arco é considerado uma forma de arte tão elevada como a música, a poesia ou a pintura. Porquê? Porque tudo o que requer uma perícia extrema, uma concentração e coordenação sobre-humanas é digno da mais alta admiração. Uma consequência da já longínqua revolução industrial foi a perda de qualidade dos produtos. Era nos detalhes onde antes se avaliava a diferença entre o bom e o excelente. As máquinas da revolução eram toscas. Rápidas, mas toscas.
As coisas mudaram muito, mas nem tudo se resolveu. Temos dificuldade em encontrar um marceneiro cujo trabalho se distinga dos pré-fabricados do IKEA. Entalhes, rabos-de-andorinha e malhetes são coisas que ninguém tem tempo para fazer. Cola, pregos e toca a andar.
Para quê perder tempo quando as colas mono-componente são tão eficazes? Pronto.
Mas os chineses fazem sempre mais depressa, os coreanos fazem sempre mais barato, os japoneses fazem sempre mais pequeno. Porque é que não nos concentramos no tempo e nos detalhes?
A propósito de detalhes, na escala das profissões, temos depois dos professores e dos cozinheiros os médicos e os talhantes. Os talhantes são também depositários de uma arte antiga, arte que provém da nossa cultura, modo de vida e relacionamento social. Ora, tive o imenso prazer de assistir a um verdadeiro e orgulhoso talhante em acção. Não o grosseiro abutre do Delicatessen, não! Mas um mestre do cutelo, de movimentos ligeiros, de coreografia perfeita. Tudo em harmonia para transformar um coelho em pedaços, dispostos segundo a secção áurea. Para quando um espectáculo onde os talhantes/bailarinos preparam costeletas e bifes levados pelo público/cliente?

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