terça-feira, março 18, 2008

banco direito

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Se deus se sentasse direito em bancos tortos, viveria com certeza no Parque Vidago, o lugar do mundo com mais bancos em itálico por metro cúbico.

Mas concentremo-nos num poiso em concreto, dos poucos que por ali ainda se encontra vertical. A história, essa sim, reza sinuosa.

A sua memória mais antiga é a de pertencer a um hospital pediátrico, num lugar tão longínquo, mas tão longínquo que dele se perdeu a longitude.

Antes de fazer companhia a águas radioactivas e gasocarbónicas, este banco era um frio espaldar duma cama de ferro. As novas camadas de tinta não deixam adivinhar, mas enquanto membro da ala psiquiátrica, muitas correntes e correias lhe foram presas, impedindo as crianças mais intempestivas de se soltarem e auto-mutilarem.

Os gritos, urros e queixumes ainda lhe corroem o ferro. Aquele era um tempo em que lobotomias eram prática comum e os bisturis cortavam antes de se fazerem perguntas.

Hoje, a vida deste banco, corre-lhe tranquila, mas por vezes ainda acorda da sua realidade termal e deixa-se afogar em pensamentos guturais. Fazer companhia a um leito subterrâneo não se compara a ser o leito de morte de inúmeras crianças. Sim, esta cama infante é fã das ironias do destino e da semântica.

Dizem que as doenças mentais são raras na infância e também muito difíceis de detectar. Este banco reconhece-o e pensa, para com os botões dos raros traseiros que nele se sentam, como as percepções podem ser facilmente confundidas. Muitas vezes um comportamento desviante não é muito distinto dum comportamento infantil. Nada lhe escapa na sua memória bem arrumada, nem mesmo a dor que sentiu quando lhe encurtaram a base, lhe arrancaram o estrado e as molas retorcidas uma a uma.

O carrasco investido de Dr. Frankenstein fora um serralheiro, homem pouco dado à sensibilidade, que ignorou a especificidade daqueles rangidos metálicos, em tudo semelhantes aos guinchos e gemidos das crianças tidas como loucas, durante um tratamento de electrochoques.

Curiosamente essa é a sua única memória feliz, pois foi então que se sentiu pela primeira vez igual às crianças psicóticas em sofrimento, o seu exemplo primordial duma ideia de normalidade.

2 comentários:

T. Geiroto Marcelino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
T. Geiroto Marcelino disse...

Queria só deixar registado que li os últimos quatro posts. Gostei de todos, especialmente do truque e do a que cheira?