A minha atávica condição de cidadão lusitano resulta num comportamento paradoxal: retrai-me e impele-me ao mesmo tempo. Retrai-me porque me obriga a ignorar o que se passa à minha volta (laissez-faire, laissez-passer deveria ser uma expressão lusa) e impele-me para dizer mal de tudo e todos, essa fácil, mas também nobre tarefa, elevada ao expoente mais cáustico pelo saudoso Eça. Posto isto, parto para a matéria que me arrastou até aqui, obrigando os meus pobres olhos a lacrimejarem sangue cada vez que ligo a televisão: o novo anúncio do Millennium BCP.
Paulo Pires irrompe de smoking numa festa pequeno-burguesa a tentar armar au finesse para impressionar suburbanos desejosos de escalada social. O dono da casa, pergunta atónito, num acting fabuloso do actor Ricardo Carriço: “Porque interrompeu a minha festa?”
Paulo Pires despeja todas as vantagens de ser um Cliente Prestige (será que o cartão derrama petróleo?) e remata com “e oferecemos-lhe esta caneta Montblanc como símbolo do nosso compromisso”.
Passar prestígio e vantagens exclusivas com esta encenação tão, mas tão comezinha, pobrezinha, denunciada, falsa e oca é um insulto para todos os clientes Millennium, onde infelizmente me incluo, é um tiro de bazuca no pé da própria instituição bancária, uma mancha na carreira dos candidatos a actores e uma certidão de óbito para a agência que ousa assinar esta pobre campanha nova-rica. Depois deste anúncio entrar na minha vida, reuni os destroços do meu queixo caído e da cegueira momentânea e tentei seguir em frente como se nada fosse.
Até que li no Sol online uma notícia que me voltou a congestionar os olhos e o entendimento, o artigo chamava-se “BCP 'recorre' a James Bond”, e o seu conteúdo tentou convencer-me que toda a cena está envolvida num ambiente de glamour, luxo, mistério e sedução que assumem uma certa reminiscência de James Bond.
Desculpem? O grande feature film foi filmado no Hotel Pestana Palace, e este deve ser mesmo o único ponto de contacto com o agente secreto, o facto de 007 também já ter estado em hotéis.
Na esclarecedora notícia fiquei ainda a saber que Paulo Pires é considerado o agente Millennium, que a sua missão é apresentar a proposta «compromisso de ouro» ao cliente Prestige e que a tal caneta Montblanc tem um belo valor de 225 euros. Sinceramente preferia comprar 300 Bics, mas os espanhóis da Bassat Ogilvy, autores da campanha e provavelmente da notícia ao El Sol, não me vieram perguntar nada. Concluo informando que a minha conta bancária está a partir deste momento a concurso.
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Nem bons ventos
Postado por O Despachante às 7:32 da tarde
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6 comentários:
Conta bancária a concurso?
TEMOS CENA. Vamos lá a ver... uns centros de crachas, uns quantos posters bem colados e vai ser ver os gestores top - prestige - exclusive-selection-classic-nice
a correr com propostas para ganhar essa tão suculenta conta!
Sr. Funesto
Há glamour, sim! E há muito mais.
Ora veja lá melhor!
Típico anúncio para os que querem ser da socialite, o que nada tem a ver com os actores que escapam como actores. Há muita gente que vem nas revistas cor-de-rosa e azuis que desejam ser James Bond e ter uma boa caneta. Como não têm substracto olham para o anúncio e sentem-se na festa. Pobres de Cristo. Casquem-lhe em cima.
A primeira e única vez que vi este anúncio, estava eu, precisamente numa dependência do Millenium numa fila interminável à espera que chegasse a minha vez de ser atendida.
Nessa espera tive tempo para acompanhar, distraidamente, as imagens que passam no circuito TV interno do banco.
Vi o anúncio.
Vi que eram actores portugueses, mas tinha legendas! que estranho...
Perdoem-me a "distracção", mas o primeiro pensamento foi: "Mas porque é que fazem um anúncio português com legendas?"
Oops, afinal tinha legendas porque não emitem som nas dependências bancárias.
Mas pela lógica do posicionamento que pretendem conferir ao anúncio e ao target, provavelmente até deveria ser todo em inglês cuidado e snob...eh eh
why not?
:o) beijitos
Fáti
Talvez não devesse dizer mal dos actores, porque não é o que está em causa, mas que o acting do Carriço é péssimo, isso é.
Claro que se fosse o De Niro no lugar dele, o anúncio seria na mesma um indelével e magenta fruto do intestino mais grosso.
E o ar incomodado dos convivas por terem sido interrompidos?
E a caneta "grates"?
E o piano de cauda?
É o glamour mas em estilo Baixa da Banheira.
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