quarta-feira, abril 06, 2005

Por este andar nunca vamos ser amigos

Na geometria, dois planos paralelos não têm nenhum ponto em comum, tendem no entanto a encontrar-se no infinito. Mas como o infinito é uma abstracção muito grande, na realidade, não têm nenhum ponto em comum. Embora um plano contenha infinitos pontos, bastam três para o definir. Logo, basta conhecer seis pontos para afirmar com toda a certeza se dois planos são ou não paralelos.

Neste tempo de religiosidade exacerbada, e para me salvar desta questão dos planos paralelos devo criar dogmas de fé suficientes para me sentir melhor e mais seguro. Por isso embarco alegremente nesta atitude maniqueísta:

Dogma 1:O design e a publicidade existem em planos paralelos.
Dogma 2:Um bom produto dispensa publicidade, descodifica-se e avalia-se por si só.
Dogma 3:A publicidade tende a exercer a chamada “hiper-valorização do supérfluo”

Vou ilustrar o dogma 3, como fazem as religiões, com um exemplo de vida.
Observei recentemente um amigo meu, vendedor de carros exímio, a impingir uma carrinha a um pobre coitado. No melhor estilo americano, o carro foi apresentado, elogiado e vendido em minutos. O vendedor fala sem parar, valendo-se de uma capacidade pulmonar digna de nadador olímpico, destacando todos os insignificantes detalhes da carrinha. Refere o local muito bem dissimulado onde está a referência da cor da pintura, as gavetas e suportes e apoios e portinholas e espaços de arrumos que se abrem suavemente sob o leve toque do dedo, o indicador da temperatura dos vidros, da humidade do ar e da hora em vinte e cinto fusos horários diferentes. Carro vendido.
Mas o motor de explosão, esse é o de sempre. O mesmo desde a revolução industrial.
Para quê falar das coisas que continuam iguais? Que continuam a funcionar mal mas que são o cerne da questão? Viva a Hiper-Valorização do Supérfluo.

Sobre o Dogma 2 vou afirmar a minha obstinação em recusar escrever coisas sobre os meus projectos, tudo o que vá além de descrições técnicas parece-me arrogante e falacioso. Não farei “descritivos” nem “concepts” nem coisa que o valha. Se quem vê não percebe ou não encontra sentido no trabalho então o trabalho não serve.

Filhos, deixai as memórias conceptuais para os biógrafos. Desenhai e voltai a desenhar. Até que os pobres de espírito vos entendam e se faça luz nas suas almas. De outra forma ide-vos sentir como eu me sinto muitas vezes. Vendido.

Sem comentários: