quarta-feira, novembro 30, 2005

Da Bandeira

Um miúdo mimado vai a Madrid passar o fim-de-semana. Na Plaza de Colón viu uma enorme bandeira castelhana. Nestas idades somos facilmente impressionáveis, ainda não vimos muita coisa, ainda não sabemos muita coisa e muitas vezes somos levados a formar ideias erróneas sobre aquilo que nos rodeia.


Deveria ser nestas alturas que o adulto responsável pela educação do miúdo lhe explica como são e porque são as coisas. Mas não. Muitas ou quase todas as vezes, o adulto tem a cultura duma tartaruga das galápagos.

E zás! Lá vai a criancinha, encorajada pelo seu papá, escrever uma carta ao Sr. Presidente da República contando como tinha gostado de ver a enorme bandeira castelhana e como gostaria de ter uma igual em Lisboa. Igual mas com as cores que ele tanto gosta de ver no seu cachecol da selecção.

O Sr. Presidente, que também é parente próximo da tal tartaruga, acha a ideia verdadeiramente comovente e reencaminha a carta para o Presidente da Câmara de Lisboa, um cágado das galápagos. Este último também acha a ideia pertinente, muito mais que todos os pedidos de audiência dos lisboetas, e manda fazer a bandeira: "O Zé vai lá à Casa das Bandeiras, dizes que vais da minha parte, e mandas fazer 52kgs de bandeira para eu por à frente daquela pila horrível feita pelo Cutileiro, esse gajo que não percebe nada de nada, e muito menos de símbolos nacionais."

O Presidente da República continua atento e lança palavras de incentivo: "Assim é que é, ò Carmona! Ès de direita, mas é como o outro. Sempre nos divertimos mais do que a responder às cartas dos gajos que querem audiências só porque os seus casos prescreveram, os seus patrões abriram falência, ou que os têm há cinquenta meses a recibos verdes!"
E Zás de novo! Lá temos a bandeira no topo do Parque Eduardo VII.

Bem, tenhamos calma. Vejamos de forma serena porque diantres (estrangeirismo castelhano, inevitável nos tempos que correm) é que os castelhanos têm a tal bandeira.
A bandeira castelhana tem os símbolos de Leão e Castela. Os reinos que conquistaram todos os que actualmente integram a Espanha. Aquela grande bandeira é um símbolo do domínio castelhano sobre todas as províncias. Mostra a todo o momento a arrogância e prepotência do conquistador sobre o conquistado.
É para isso que servem as bandeiras. Antanho, quando um exército perdia a sua bandeira estava derrotado, mesmo que continuasse superior em número e capacidade bélica.
Ora isto em Portugal não é nada assim.

Necessitamos de tudo menos do raio da bandeira gigante. Que faz uma sombra monstruosa e tem o som de um abutre em voo picado.
Nada naquela bandeira me diz alguma coisa. Apenas sinto rejeição. Não pertenço a nada nem nada me pertence. Os sítios a que chamo de lar não são meus, nem das pessoas com quem lá vivi. Se um dia os comprasse eles morreriam. Porque de todos passariam a ser um espaço de um. E um não é nada.
Sou do Sul, apenas no Sul me sinto em casa, com todos os que são ou poderiam ser do Sul. O Sul não tem hino nem bandeira, nem um território físico delineado, apenas a liberdade do espaço mental.

3 comentários:

Anónimo disse...

olha amor: eu é que sou do sul! porque vivo no sul e pago em suaves prestações mensais o preço da minha interioridade sulista.
... e tu também és bem vindo, quando deixares de ser do sul somente da maneira mais fácil - em lisboa - e vieres em presença para este livre e não delineado espaço físico.

leite azedo disse...

Continuo sem perceber qual é o proveito que vem desta mania da subtracção. “Necessitamos de tudo menos do raio da bandeira gigante”, Esta mania da exclusão de dividir, de excluir, não é melhor unir, pertencer a todos os espaços mentais, geográficos e adicionar a isso tudo uma bandeira gigante.
Já agora se Leão e Castela quiserem e os outros estados hispânicos o desejarem formamos a grande Aliança Ibérica. Aliança formada por estados livres com várias bandeiras gigantes, que bonito que era o cimo do parque Eduardo VII cheia de bandeiras, da Catalunha da Galiza do Pais Basco…uma bonita união hispânica.

Sr. Nefasto disse...

Não é fácil nascer e crescer no sul e ter que viver noutro lado. Mas por muitos anos que vivas na cidade vais ser sempre do sul. Mesmo que só lá vás de duas em duas semanas. O cheiro da terra quente nunca te deixa.

...

A bandeira exclui. Todas as bandeiras excluem. Serás sempre um estrangeiro na subtracção das bandeiras.
Nunca nenhuma bandeira uniu. Nenhum país uniu. Nenhum poder uniu nunca.

Vê o exemplo de Africa, as diferentes tribos africanas estavam divididas por latitudes. Quando os europeus chegaram lá e retalharam o continente segundo uma ordem politica e não geográfica arranjaram uma das maiores desgraças da história, juntando clãs diferentes sob a mesma bandeira colonialista. Ainda hoje se paga o preço desta união sob a mesma bandeira.

Quanto a pertencer a todos os espaços geográficos e mentais, isso não existe, nem nunca vai existir.
Acredito que cada um deve pertencer aonde se sente bem e nunca onde o mandam. Dai a urticária da bandeira.
Os símbolos continuam tão poderosos hoje como à dois mil anos, nós é que estamos - por via de ignorância e da saturação de informação - cada vez mais indiferentes e complacentes com eles.

Estados livres?
Estado e liberdade são palavras de sentido oposto.
Como: Bom Tirano, Benigna Crueldade, Justa Mentira, Poder Divino.