Parece que os nomes das coisas – de todas as coisas – estão à venda. Alugamos os nomes dos estádios, dos festivais de música, das portas e das bancadas. Os nomes foram atribuídos durante séculos como forma de perpetuar na memória colectiva pessoas ou acontecimentos importantes. Avenida da Liberdade, Rua Alexandre O’Neill, Estádio José Alvalade por exemplo. Agora vamos ter Estádio da Luz – Feira Nova com a porta A1 – Coca-Cola. São as marcas que vão condicionar a toponímia futura das nossas cidades. Não os cidadãos de mérito, não os acontecimentos relevantes (também eles patrocinados por marcas, para quando as legislativas -Sagres?).
Da mesma forma muitos julgam e replicam um ideia idiota como se fosse o achado do século XXI: os países são marcas. E sobre esta estupidez criam-se campanhas para vender o pais como se vende a margarina (claro que se vendemos os políticos como a margarina, esta conclusão era inevitável)
Mas se pensarmos mais do que um segundo sobre este tema concluímos uma coisa:
A identidade da marca funciona e constrói-se ao contrário de identidade de um país. A marca é construída do topo para a base, sendo os produtos da marca o reflexo e declinação da sua filosofia/missão/prática comercial e por ai em diante.
A identidade de um país é gerada da base para o topo, os seus dirigentes e elites são escolhidos, ou existem porque as bases assim o permitem, sendo um reflexo destas.
A marca é escolhida pela administração, directores, gestores e demais barbeiros.
O pais é escolhido por todos, todos escolhem ou toleram as elites, isto é verdade em qualquer sistema politico não só na democracia. Pois nenhuma ditadura por cruel que seja sobrevive se a maioria da população não gostar disso.
Quando se pretende transformar um país numa marca por real decreto de marketing nada acontece, o eterno lugar comum do país-real permanece imutável. É indiferente.
Portugal não é, nem será uma Costa-Leste da Europa. Porquê? Porque quatro mil anos de história desmentem-no. Até podemos alugar o nome do Algarve para Algarve-Pestana Resort & Golf que não seremos a Costa-Leste.
Estamos a caminho de ser o nome de uma coisa que não existe. E não nos lembramos do nome que tínhamos quando ainda existíamos.
3 comentários:
Acordaste na minha memória o final de um livro que conta como nos des-memoriamos ao sabor do que é novo:
" Depois chegámos nós por ouvir falar do caso e procurámos alguém que ainda não tivesse perdido a memória. Encontrámos as testemunhas, mas Aldegundes, por exemplo, já não sabia como voava um pássaro" (Lídia Jorge, O Cais das Merendas.
O livro é soberbo no conteúdo, a autora é mestra na palavra e o Sr Funesto é fantástico na exposição que faz de todas as coisas.
Temos uma ávida e atenta leitora das nossas imagens e palavras, mas este post é do Sr. Nefasto e eu, apesar de Funesto, não quero ficar com louros alheios, dariam de certo um sabor amargo à minha confecção.
Igual qualidade para ambos. Perdoem-me a falta de atenção.
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